segunda-feira, 23 de novembro de 2009

MANOEL BENTEVI

Manoel Bentevi desmanchou o Nordeste em poesia

Luiz Alberto Machado

Da vida nasce o saber
Da seca nasce o queixume
Da mulher nasce o ciúme
Do olhar nasce o amor
Da doença nasce a dor
Do justo nasce a verdade
Do mau nasce a crueldade
Do fuxico nasce o enredo
Da sugestão nasce o medo
Do coração, a maldade...
Do olhar nasce o amor,
Do coração a maldade)


Se eu chegar no Recife aperriado
Eu acabo com todas as fortalezas
Vou no Palácio do Campo das Princesas
Paro todo movimento do Estado
Na Assembléia não deixo um deputado
Na zona não fica uma mulher
Acabo as forças armadas que houver
Tranco banco, instituto, inspetoria
Fecho hospitais, detenções, secretarias
Só funciona o Recife se eu quiser.

Prendo guarda civil, cabo, soldado,
Comandante chefe do Estado maior
Prendo tenente, capitão, prendo major
Paro todo movimento do Estado.
Prendo telégrafo, imprensa, consulado
Emissora não deixo uma sequer,
Prendo a Lloyd, a Costeira e a Panair
Paro o trânsito, não passa mais ninguém
Da estação central não sai um trem
Só funciona o Recife se eu quiser.

(...)

Mas isso foi um sonho muito pesado
Que eu sonhei certa vez quando dormia
Um povo no ouvido me dizia
Paro todo movimento do Estado.
Acordei tristemente atribulado
Vi que era uma coisa sem mister
Não encontrei uma pessoa sequer
Que me dissesse o que tinha acontecido
E uma voz me dizendo no ouvido
Só funciona o Recife se eu quiser!

Nas glosas a gente encontra essas pérolas, como:

Na vida ninguém confia
Em nada sem ter certeza
São obras da natureza
Tudo que a terra cria:
Gente, ave, bicharia,
Tudo começou assim.
O homem é quem é ruim
Nada bom ele planeja
Por muito forte que seja
A morte pega e dá fim.

E também essa:


Naquele tempo odiento e obscuro
Em que a ciência era tragada em um vaso
Todo o mundo imerso no atraso
Eu olhei na janela do futuro:
O panorama da vida é muito duto
E o destino do homem vem traçado.
Eu, pra ver se obtinha resultado,
Do além e de coisas mais incríveis,
Penetrei no setor dos invisíveis,
Vi o mundo sorrir do outro lado.

E num tom que reúne a poesia e a hilariante tirada:

Da bobina para o distribuidor
Há um cabo que passa uma centelha clara
Meto o pé no arranco, ele dispara
Toda vez que acelero meu motor
O combustível entra no carburador
A entrada de ar transforma o gás
Com a compressão que ele faz
Forma o jato, o êmbolo vai subindo
Vai queimar na cabeça do cilindo
A fumaça da gasolina sai por trás.

E a resposta na ponta da língua ao desaforo:

Minha carne só é nervo e cabelouro
O espinho de juá bate e não fura
Minha saliva salva qualquer mordidura
Se a jibóia morder por desaforo
Tiro o veneno da bicha faço soro
E dou vida a qualquer um ser vivente.
Seja qual for a qualidade da serpente
Estando mesmo quieta ou assanhada
Por acaso ela me dando uma picada
É capaz de ficar sem nem um dente...

Já no livro das poesias, encontra-se, dentre outras, o Desmanchando o Nordeste em Poesia:

(...)

Você vê quando ali ao por do sol
O cenário fica muito mais bonito
O tetéo na lagoa solta um grito
E a araponga por detrás do arrebol
Na biqueira da casa o rouxinol
Lá por traz da montanha a cotovia
Desperta a passarada e um novo dia
A aurora com sua rubra cor
É bonito um poeta trovador
Desmanchando o Nordeste em poesia...


Como também no poema O Caiador, profissão do poeta:

(...)

Não trepo mais em escada
Nem tão pouco em prédio alto
Não posso mais dar um salto
A força está acabada
Dou alguma pincelada
Mas não em toda ocasião
Seguro o pincel na mão
Com atenção e cuidado
Pincel mole, desgraçado...
Só dá pra melar o chão.

O lírico e belíssimo, Uma casa sem mulher:

Onde mulher não existe
Vivente nenhum resiste
É uma caverna triste
É coisa que ninguém quer
Eu vos digo com certeza
Para falar com franqueza
É mais triste que a tristeza
Uma casa sem mulher...

E o engraçadíssimo O mundo só está prestando depois que eu não presto mais:

Quem é novo e tem dinheiro
Faz na vida o que bem quer:
Nunca lhe falta mulher
Neste país brasileiro.
Se eu fosse moço e solteiro
Vivia nos lupanais
Nos cabarés, nos fuás
Com as meninas brincando
O mundo só está prestando
Depois que eu não presto mais...

Por fim, no livro do romance de cordel, é encontra A grande discussão de um suleiro com um sertanejo:

(...)

Já fui uma vez ao sul
Ver se ganhava dinheiro
Mas topei com o suleiro
Chamado papa-muçu!
Pançudo do bucho azul
Vive nu de se esconder
Todo inchado de beber
Cortado de piojota
Aquilo é uma derrota
Do sul não quero saber.

(...)


Bravo, nobre sertanejo
Eu gostei da discussão
Mas o suleiro também
Teve boa notação
Enfrentou bem direitinho
Versou no mesmo caminho
Improvisou na razão.

O espaço por mais que disponha será sempre muito pouco para mostrar a poesia de Manoel Bentevi, bem como de explicar a sua poética, a riqueza dos recursos, as modalidades utilizadas, enfim, preferi destacar o texto do poeta sem que ousasse comentário mais técnico a respeito, porque senão, terminaria aqui com trocentas páginas.

Como o objetivo é trazer a poesia de Manoel Bentevi, uma poesia exemplar e do tope dos mestres Leandro Gomes de Barros, Cego Aderaldo, João Matias de Athayde, dentre outros, fica aqui o registro para que se possa cada vez mais aprofundar os estudos e se conheça a obra deste poeta pernambucano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário