domingo, 20 de dezembro de 2009

A CASA DOS ESTUDANTES

Quem entrar numa casa de estudantes
Vê um lar doentio e tão funesto
Na parede uma frase de protesto
Reclamando um aumento exorbitante
Roupas sujas pendentes num barbante
Um penetra que dorme em pleno chão
A coberta que tem é um calção
E o calçado um chinelo à japonesa
Representa o retrato da pobreza
É o descaso com nossa educação

Um colega que solta um palavrão
Já cansado de fome, insônia e luta
Diz “que professor filho da puta”
Não considerou esta questão
Consultando o caderno de borrão
Verifica que errou realmente
Depois baixa a cabeça tristemente
E lamenta estudei toda a semana
Mas pisei numa casca de banana
E vou ser reprovado novamente

Essa casa em tudo é carente
Parece uma discriminação
Até mesmo a comunidade
Para nós é muito deficiente
Se acaso adoece algum parente
Acontece o que é se esperar
A família não tem como avisar
E se manda uma carta com urgência
Depois de um mês chega a agencia
De lá volta se alguém não for buscar

Esta casa é difícil se achar
Sempre foi uma ilha tão cruel
Mas quem sabe talvez a EMBRATEL
Inda chegue a nos localizar
Porém se esse sonho terminar
Não podemos ficar tão inativos
Inda há esperanças e motivos
Mas o quadro se mostra muito feio
Vou tratar de soltar pombos-correio
Para dar um sinal que estamos vivos

Quem chegar aqui num fim de semana
Vê um mundo estranho e tão opaco
Um rapaz fazer pipoca num caco
Um comer uma dúzia de banana
Outro entrar com uma garrafa de cana
Com uma cara de quem há dois dias não come
Um doente que de magro se some
Um cantando feliz de sua viva
No fogão preparando uma comida
Cujo cheiro mata qualquer de fome

Inda tem um rapaz namorador
No espelho fazendo um penteado
Com o jeito de quem é bom de gado
E um sotaque do seu interior
Põe a sua camisa multicor
E aperta o seu cinturão de couro
Na carteira de leve dá um choro
Depois vai falar com a namorada
Porque teme que ela acabe o namoro

Nas paradas recortes de jornais
E manchetes de algumas revistas
Desde ultra-direita e comunistas
Sobre fotos passados e atuais
Discussões específicas e gerais
Desde a casa à conquista da lua
Mas ninguém sabe aonde se situa
Como o quadro que agora se depara
Uma foto de Ernesto Che Guevara
Junto ao pôster de alguma mulher nua

Marx, Lênin também aqui estão
Suas obras de todos conhecidas
São figuras bastante discutidas
Como Bruna e Fafá também são
A disputa pela televisão
Por programas e temas diferentes
Essas coisas na casa são freqüentes
E quem mora aqui sabe e conhece
Que um pouco de tudo isso acontece
Nesta casa e com nos, os residentes.

Um colega que ia se formar
Decidiu levar pau numa cadeira
E medisse que agiu dessa maneira
Esperando a situação mudar
Um emprego ta duro de arranjar
Ele tem procurado em todo lado
O seu crédito também foi cortado
Resta agora esperar e fazer prece
Vai até filia-se ao PDS
Só não pode é ficar desempregado

Todo casa de estudante tem
Um sujeito nojento e sistemático
Fofoqueiro, cricri e antipático
Que não faz amizade com ninguém
Insultando a quem vai e a quem vem
Faz mistério da sua procedência
É preciso ter muita paciência
Tolerar tal sujeito no convívio
Se essa peste morresse era um alívio
Um descanso para nossa residência

Tem sujeito metido a cientista
Tem sonâmbulo que anda a madrugada
Resmungando alguma aula passada
Ou um trecho que leu numa revista
Tem cantor, violeiro, repentista.
Jogador, viciado que a lei.
Não permite, mas tem, porque eu sei.
Tem sujeito esquisito que rebola
Desmunheca chacoalha, deita e rola
E assume orgulhoso que é gay.

O futebol ao domingos para quem topa
Tem um jogo corrido palmo a palmo
Mas é bom que o sujeito seja calmo
Que a disputa é maior que na copa
O suor que escorre logo ensopa
A camisa, a cueca e o calção.
Pois a base de nossa nutrição
É pipoca, cuscuz e pão francês.
Quem jogar meia hora passa um mês
Em repouso para recuperação

Um colega da gente que morreu
Só porque tinha roubado um caderno
O diabo levou para o inferno
Para submetê-lo a servo seu
Mas um dia esse cara apareceu
E falou do inferno no geral
Disse até que lá não estava mal
Se um lado é ruim outro compensa
Que daqui não tem diferença
Que exceto a quentura é tudo igual

Essa casa à noite é mal assombrada
É comum se ver muita estripulia
Frankstein ensinado anatomia
E o demônio dançando na calçada
E a alma de um ex-camarada
Aparece pedindo uma oração
Conde Drácula saindo do caixão
Ouvem-se gritos, arrastos de correntes.
Mil fantasmas de forma diferente
E um cachorro que anda alto do chão

Quem achar que tudo isso é exagero
Brincadeira ou alguma fantasia
Apareça na casa qualquer dia
E comprove se é falso ou verdadeiro
Eu só disse que diz todo xepeiro
Que é o nome vulgar do residente
Mas é claro, que alguém, mas consciente.
Se vier e observar o fato
Pode até me chamar de insensato
Moderado, covarde e conivente.

AO JAMBEIRO (em frente à casa)

Certamente merecia um castigo
Se esquecesse este grande companheiro
Bom vizinho, fiel hospitaleiro.
Que da gente tem sido tão amigo
Quantas vezes tu já me deste abrigo
Nos momentos de grande depressão
Tua sombra por alguma razão
Tem um quê, que me dá tranqüilidade.
Desta casa não levarei saudade
Mas para ti deixarei gratidão

Tua sombra tem ar condicionado
O barulho das folhas prova isso
Acho que até existe algum feitiço
Um segredo que não é desvendado
O seu fruto tem mel açucarado
O teu tronco parece até que tem
Um mistério, uma força do além.
A pureza da seiva do floema
Que quem chega se traz algum problema
Se esperar dois minutos fica bem

É você que comvida a passarada
Na aurora só para fazer farra
Muito cedo eu escuto a algazarra
Que termina no fim da madrugada
De manhã se vê uma fruta beliscada
Da orgia é tudo quanto resta
E tu és o anfitrião da festa
Bagunceiro também, meu bom jambeiro.
De estudante e aves alcoviteiro
Diferente dos outros da floresta

Com certeza ninguém suportaria
E essa casa seria algum mocambo
Se faltasse na frente um pé de jambo
Tão frondoso que dá tanta harmonia.
Meu poema já mais existiria
Minha Musa não dava inspiração
O jambeiro talvez seja a razão
Dos que têm bom aproveitamento
Já vi fraco crescer, virar talento
Só porque o jambeiro deu a mão

A PROCURA DE SI MESMO
Cada vez que um homem pensa passa
A usar muito menos a razão
Na corrida pela destruição
Acaba de uma vez com toda massa

Argumenta que é para sua defesa
Mas coloca a espécie num perigo
Destrói tudo que há na natureza
E não descobre que é seu inimigo

Nossa vida tornou-se tão banal
O “progresso” é que está interessando
Que há milhares na guerra se acabando
E há quem ache um processo natural

E não vê que por falta de alimentos
Há centenas que morrem todo dia
A obsessão por armamentos
E as ruínas que toda guerra cria

Diz que há outros mundos, outras vidas.
Que a ciência precisa conhecê-las
Não está certo se há, ainda duvida.
E já comentam uma guerra nas estrelas

É que o homem está mal acostumado
Desde cedo se tornou tão nocivo
O que vê se acaso estiver vivo
Ameaça e deve ser dizimado

E se um dia um mundo descobrir
Onde exista igualdade, amor e paz.
Pelo menos índios, já dão para deduzir.
Se puder, o que é que ele faz.

Numa nave vai pelo espaço a esmo
Procurando, que já leva consigo.
Pois se é seu maior inimigo
Basta olhar para dentro de si mesmo.

AFONSO SIQUEIRA CAMPOS
(estudante de Medicina Veterinária/1982 e XEPEIRO DA CASA 1 - UFRPE)

Um comentário:

  1. Olá, fui contemporâneo do Afonso na Casa do Estudante número 1 localizada em Dois Irmãos, Recife, ainda guardo o livreto com esses poemas. Tenho muita vontade de saber por onde anda o Afonso.

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